Olá
leitores do Para Arkeólogos. Trouxemos a vocês mais uma pérola. A
segunda parte da série “Eu quero ser arqueólogo! E daí?” Dessa
vez invés de falarmos sobre os cursos, entrevistamos alguém que é
graduado em Arqueologia pela UFS e trabalha na área para poder
“trocar uma ideia com a gente”. O ideal dessas séries é acima
de tudo fornecer informação e tentar desmistificar algumas coisas
sobre Arqueologia. Se você perdeu a primeira parte ai vai o link:Eu quero se arqueólogo! E daí? Parte I.
Antes
de você ir lendo deixe-me explicar como aconteceu. Eu entrei em
contato com nosso entrevistado que é uma pessoa tido como um exemplo
dentro da UFS por ter sido um dos primeiros alunos a sair da
graduação e trabalhar na área conseguindo se estabelecer
profissionalmente. E obviamente ele topou fazer essa entrevista. Caso
contrário você não estaria lendo. Enfim...
A
entrevista funcionou da seguinte maneira. Eu enviei a ele algumas
perguntas referente a curiosidades, rumores, expectativas de algumas
pessoas (devo confessar que eu também!) que estão na graduação,
ou que creio, seriam interessantes a pessoas que estão querendo
informação sobre a profissão, principalmente no que se refere a
mercado de trabalho. Deixarei que ele mesmo faça as honras de se
apresentar e “dialogar” com vocês. Abaixo segue a entrevista na
integra:
Você
poderia se identificar, dizer de onde você é, onde estudou e seu
passado?
Resp:
Olá
pessoal, meu nome é Adriano Santos, sou bacharel em Arqueologia e
atualmente estou trabalhando para uma grande empresa de consultorias
arqueológicas. Nasci em Santos – SP em 1988 e aos 10 anos de idade
migrei para Sergipe, morando na cidade de Umbaúba, onde eu finalizei
os ensinos fundamental e médio. Em 2008 fui aprovado no vestibular
para o curso de Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe –
UFS, depois da aprovação mudei para Aracaju e lá residi por 4
anos. Ao final do ano de 2011 conclui minha graduação, tendo
apresentado a monografia intitulada "A Arqueologia como
Instrumento Social para Reconstrução de Memórias: Possibilidades
de Estudos no Estado de Sergipe", onde eu faço abordagens sobre
as possibilidades de estudar as ações da repressão militar em solo
sergipano, utilizando como ferramenta para tais estudos a Arqueologia
da Repressão. Desde o inicio de 2012 venho atuando como arqueólogo
em um projeto de grande porte no estado de Pernambuco.
Adriano Santos |
Por
que você escolheu seguir a profissão de arqueólogo?
Resp:
Alguns
colegas, contemporâneos ao meu ingresso no curso de Arqueologia,
recriminavam e achavam isso uma heresia, mas a verdade é que alguns,
assim como eu, ingressaram na Arqueologia por ser o caminho mais
fácil para se entrar em uma Universidade publica. Há tempos atrás
a Federal de Sergipe contava com um esquema chamado "Processo
Seletivo Seriado", onde no final de cada ano, o aluno respondia
a prova referente ao seu ano letivo, ao final do 3º ano, o aluno
escolhia o curso pretendido, respondia a prova referente ao 3º ano
do ensino médio + a redação. Pelo "Seriado", a cada
prova efetuada, a pontuação ficava acumulada, no último ano o
aluno podia fazer uma simulação e ver quais cursos ele estaria apto
a ingressar. No meu caso, a somatória dos dois primeiros anos estava
por volta dos 6.000 pontos, se eu mantivesse o mesmo nível das
provas anteriores, eu estaria apto a ingressar em cursos como:
Engenharia de Pesca, Matemática, Física, Museologia e é claro,
Arqueologia, e como eu já me interessava muito por história, optei
pela Arqueologia e fui muito feliz nessa escolha. Somente depois de
um tempo no curso, convivendo com pessoas, professores e
experiências, fui tomando gosto pela profissão. Tive a felicidade
de ser chamado para um estágio no inicio do ano de 2010, onde fui um
dos pioneiros entre os alunos a sair dos muros da Universidade e
atuar na área como profissional em um estágio remunerado. E hoje
digo com sinceridade não me vejo atuando em outra coisa a não ser
na Arqueologia.
Você
pode nos dizer um pouco sobre sua experiência profissional?
Resp:
Bem,
o arqueólogo deve ter um equilíbrio entre teoria e prática em seu
campo de atuação, não que ele vá dominar todo e qualquer assunto
correspondente a Arqueologia, mas pelo menos o profissional deve ter
noções gerais dos contextos que ele pode vir
a
trabalhar e dos materiais que podem ser manipulados durante os
trabalhos, esse é um dos objetivos da graduação, mostrar aos
alunos os diferentes ambientes e materiais encontrados na
Arqueologia. Um arqueólogo graduado sai da instituição de ensino
apto a trabalhar em qualquer contexto, mas é claro que durante o
processo de iniciação, existem áreas que o pesquisador se
interessa mais e outras que o pesquisador se interessa menos, no meu
caso especifico, durante o curso, eu tive contato com diversos
materiais e contextos, tanto históricos como pré-coloniais, porém
meu interesse foi maior pela área da Arqueologia Histórica, tanto é
que desenvolvi minha monografia no campo da Arqueologia da Repressão.
Ao
ingressar no mercado profissional, fui honesto em expor ao meu
contratante as minhas dificuldades em relação a algumas áreas
práticas da Arqueologia, por exemplo, quem vem da Arqueologia sabe
que nem sempre encontramos peças perfeitas de lítico (artefato
feito em pedra), com marcações precisas e bem definidas como a
maioria das peças que estudamos na faculdade, em campo temos que ter
um olho treinado para identificar peças líticas em meio a milhares
de outras rochas comuns. Mesmo ciente das minhas limitações, o
contratante apostou e efetivou a minha contratação (e sou muito
grato a eles por esta oportunidade). Chegando em campo, ao encontrar
com os arqueólogos locais, também expus as minhas dificuldades e os
mesmos falaram para que eu não me preocupasse, que isso era normal
(até porque eu havia acabado de sair da faculdade) e que com o tempo
eu iria pegando a habilidade necessária para executar os trabalhos,
e com muita calma e paciência eles foram explicando e me ensinado
aquilo que eu tinha mais dificuldade. Acredito que hoje eu ainda não
domine todo o conhecimento prático da Arqueologia, mas aprendi
muitas coisas em campo, coisas que só são aprendidas com vivencias,
no dia a dia de um trabalho arqueológico, coisas que uma graduação,
por mais completa que seja, não tem a oportunidade de mostrar.
Muita
gente se pergunta do que vive o arqueólogo, ou melhor, como ele se
sustenta? Você poderia explicar isso aos leitores.
Resp:
A
Arqueologia sempre esteve envolvida no mito de ser uma profissão
cheia de aventuras, com caça a tesouros e resgate de mocinhas em
perigo (visão cinematográfica), embora nos últimos anos, esse e
outros mitos tenham sido derrubados, a Arqueologia ainda é vista por
muitos como uma profissão exótica. – Gente, a Arqueologia é uma
profissão como qualquer uma outra, o arqueólogo é tão
profissional quanto um analista de sistemas, um engenheiro civil, um
advogado ou um médico. O mito talvez venha por conta do que fazemos,
já que estudamos as sociedades através de sua cultura material.
Acredito que os arqueólogos dessa nova geração precisam
"popularizar" mais a Arqueologia e os trabalhos que vem
sendo feitos, para que esse mito deixe de existir. O Brasil hoje
vive um processo de intenso aquecimento e expansão da profissão,
grande parte devido ao Programa de Aceleração do Crescimento –
PAC, implantado no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que tem por objetivo a realização de obras de infraestrutura
por todo o país, a construção de portos, ferrovias, rodovias,
hidroelétricas, etc., gera grandes impactos ambientais, necessitando
assim de trabalhos de Arqueologia. Quando ingressei na graduação,
fui muito questionado quanto a faixas salariais, e a quanto ganharia
um arqueólogo, hoje eu sei que em média um arqueólogo em inicio de
carreira pode receber de 4 a 5 salários-mínimos em média. A parte
não muito boa é que dificilmente a pessoa consegue se formar e
continuar trabalhando em seu lugar de origem. A Arqueologia é uma
profissão que as vezes requer que você vá até ela e não ela que
vem até você, assim o arqueólogo vira um pouco "nômade",
sempre viajando. Em contrapartida a pessoa ganha inúmeras
experiências de vida, conhece pessoas e lugares incríveis.
Você
acha que há algum tipo de rixa entre pessoas que se tornaram
arqueólogos através da graduação e aqueles que se tornaram
através da pós-graduação?
Resp:
Não...Acredito
que não, pelo menos não que eu tenha percebido até o momento. Até
porque um pós-graduado em Arqueologia já vem com uma área
especifica de atuação, ou seja ele domina muito bem um determinado
assunto, já um graduado, apesar de estar apto a trabalhar em vários
contextos, ele domina tudo e ao mesmo tempo ele não domina nada,
pois ele tem noções básicas e não tão especificas dos assuntos,
como se fosse um clínico
geral.
Isso
acontece com todos? Com a maioria ou uma minoria que tem muita voz
e/ou incomoda muito?
Resp:
Acredito
que hoje os graduados em Arqueologia estão na vanguarda da
profissão, em termos que quantidade, nos últimos 5 ou 6 anos, o
número de profissionais que ingressaram no mercado de trabalho, se
já não superado, estamos próximos de superar o número de
arqueólogos que atuavam no Brasil entre as décadas de 1980/1990, e
atualmente quem se forma só fica parado se quiser, dos amigos que se
formaram comigo, todos estão em campo trabalhando, os que não estão
trabalhando foi por que ingressaram em programas de pós-graduação
ou realmente não quiseram seguir carreira. Em minha opinião, creio
que daqui a alguns anos a Arqueologia vai passar por um processo de
desaceleração, o ritmo das obras de infraestrutura no pais pode
diminuir, e com a grande quantidade de arqueólogos atuando, uma
simples graduação pode se tornar obsoleta, e será de suma
importância que o profissional tenha uma qualificação maior
(pós-graduação) em Arqueologia, isso se ele almeja grandes planos
profissionais.
Com
aqueles que acontecem (se é que acontece) tal rixa o que faz você pensar que faz isso
acontecer?
Resp:
Eu
não diria bem "rixa", eu diria que a Arqueologia, assim
como várias outras áreas, está passando por um processo de
renovação, sobretudo de profissionais e de ideologias, e nesse caso
é comum gerar um certo desconforto por parte de alguns profissionais
de uma ala mais conservadora. A Arqueologia brasileira saiu da esfera
onde obrigatoriamente se deveria ter o objeto empírico para se fazer
um estudo, e seguiu para uma tendência onde você pode sim fazer um
trabalho de Arqueologia sem que necessariamente você esteja com o
objeto físico em mãos. Essa nova linha de pensamento possibilitou
os mais variados trabalhos e segmentos teóricos, pois a partir de
então o estudo arqueológico não fica tão restrito apenas a um
tempo remoto, longe do nosso tempo. A Arqueologia está em nosso dia
a dia, naquela casa de 20 ou 30 anos a qual passamos pela frente
todos os dias, nas memórias dos nossos pais, tios e avós.
Você
já sofreu algum tipo de discriminação por vir da graduação? Se
sim você poderia nos contar como foi?
Resp:
Discriminação
por vim da graduação não, de forma alguma, acho até que ao
contrário. Quando falo que sou graduado em Arqueologia, muitos olham
surpresos, por associar a profissão a algo exótico. É fácil
perceber que as pessoas se surpreendem por achar que a Arqueologia é
algo tão distante do convencional, muitos me perguntam até se isso
existe por aqui. Mas claro que ainda temos que conviver com algumas
piadinhas como por exemplo: caçador de dinossauros, Indiana Jones do
nordeste, caçador de tesouros, essas coisas, mas nada que venha a
interferir
negativamente na imagem pessoal, os comentários, em sua grande
maioria, não passam apenas de brincadeiras entre amigos.
Houve
alguma mudança neste e outros cenários desde que você começou a
trabalhar como arqueólogo? Se sim o quê?
Resp:
Sim...Nossa,
eu diria uma mudança significativa, a julgar até pelo próprio
histórico das graduações em Arqueologia no Brasil, onde entre as
décadas de 1980/1990 tínhamos o curso da Estácio de Sá no RJ, que
entrou em extinção em 1996 (se eu não me engano), depois disso o
Brasil passou vários anos sem ter cursos de graduação em
Arqueologia e já em meados da década de 2000 num curto espaço de
tempo (2004/2008) surgiram 9 cursos de graduação. Atualmente já
são 11 cursos de Arqueologia espalhados pelos quatro cantos do país,
1 curso que acabou de ser criado no Rio de Janeiro e mais 1 curso
previsto para 2015 em São Paulo, totalizando 13 cursos de graduação
em Arqueologia no Brasil. Desde quando ingressei no universo da
Arqueologia (2008) até os dias atuais eu senti uma enorme diferença:
as informações sobre o que é a Arqueologia, onde trabalha o
arqueólogo e quanto ganha não tinham muito destaque, e as fontes
não eram lá muito confiáveis, hoje estas mesmas informações se
apresentam de uma forma mais concisa e tem uma veracidade maior, a
mídia (embora distorcendo o real sentido do trabalho algumas vezes)
tem dado mais espaço para que seja veiculados os trabalhos
arqueológicos em diferentes partes e contextos do Brasil, a internet
está sendo uma ferramenta fundamental para que a Arqueologia chegue
ao grande público, muito já foi feito, mas como eu disse
anteriormente, é preciso mais, temos que "popularizar" a
Arqueologia, para que num futuro não muito distante ela possa ser
vista como uma profissão como qualquer outra, sem mitos e fazendo
parte do cotidiano das pessoas.
Você
tem alguma mensagem para quem quer seguir essa carreira?
Resp:
A
Arqueologia é uma área que lida diretamente com as pessoas, sendo
elas contemporâneas ao nosso tempo ou sociedades de tempos atrás,
nela temos a oportunidade de buscar e contar as histórias, não só
dos grandes senhores e detentores do poder, mas daquelas pessoas
simples, pessoas comuns, que ajudaram a erguer aquela igreja
histórica do sec. XIX que você visita nas suas férias ou aquele
casarão antigo que é o ponto turístico de sua cidade, estas
pessoas, que por serem "insignificantes" aos olhos dos que
tinham o poder, acabaram ficando as margens das narrativas tidas como
"oficiais". Se você é uma pessoa que se interessa por
esse tipo de história, que tem curiosidade sobre o estudo do modo de
vida das sociedades, vale a pena investir no campo da Arqueologia.
Assim
como toda área de atuação tem as suas dificuldades, na Arqueologia
não é diferente, o trabalho não é fácil, e as condições de
trabalho são adversas – tem momentos que você pode trabalhar na
frente de um computador, sob ar-condicionado em temperatura
controlada, com água e cafezinho a vontade, já em outras ocasiões
o Arqueólogo passa dias em campo, sob sol forte, com poeira até o
espírito. Mas acredito que todo o sacrifício é válido quando se
tem um objetivo, quando se tem um foco, e convenhamos que a faixa
salarial de um recém-formado também é um bom incentivo.
Algo
a mais que queira dizer ou se expressar?
Resp:
Gostaria
de agradecer a equipe PARA ARKEOLOGOS pelo convite e espaço cedido,
acredito ser muito importante a divulgação da Arqueologia como uma
profissão comum, e os arqueólogos como profissionais sérios e
dedicados ao que fazem. Quero dizer que as opiniões aqui emitidas,
são de minha inteira responsabilidade, alguns podem concordar e
outros podem discordar, esse é um princípio das ciências humanas.
Para
os arqueólogos dessa nova geração e para os que pretendem
ingressar na área, é importante frisar que o pesquisador deve ter
responsabilidade
e humildade,
reconhecer seus pontos fortes e fracos, não é vergonha dizer que
não sabe fazer ou que não está preparado para fazer, vergonha é
assumir um compromisso e por incompetência não ser capaz de
realizar ou realizar algo desprezível. Muitos colocam a Arqueologia
como uma profissão sem a devida valorização, realmente em alguns
casos a Arqueologia não é devidamente valorizada, mas se nós,
enquanto arqueólogos, queremos que essa situação mude, nós mesmos
temos que valorizar a nossa profissão – não há profissão de
respeito se a mesma não se dá o respeito.
Agradeço
mais uma vez ao espaço cedido...Muito obrigado e até breve
moçada!!!!
Fim
da entrevista
Adriano
primeiramente parabéns por tudo que você conquistou. E nós do Para
Arkeólogos é que agradecemos você sair de sua rotina e nos ajudar
com o nosso trabalho. Saiba que o espaço aqui está aberto a
qualquer hora caso queira se expressar de qualquer forma.
Galera
espero que vocês tenham gostado por que para mim ficou com a
sensação de Missão
Cumprida!
Saudações
Equipe Para Arkeólogos
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