quarta-feira, 31 de julho de 2013

Eu quero ser arqueólogo! E daí? Parte II




Olá leitores do Para Arkeólogos. Trouxemos a vocês mais uma pérola. A segunda parte da série “Eu quero ser arqueólogo! E daí?” Dessa vez invés de falarmos sobre os cursos, entrevistamos alguém que é graduado em Arqueologia pela UFS e trabalha na área para poder “trocar uma ideia com a gente”. O ideal dessas séries é acima de tudo fornecer informação e tentar desmistificar algumas coisas sobre Arqueologia. Se você perdeu a primeira parte ai vai o link:Eu quero se arqueólogo! E daí? Parte I.


Antes de você ir lendo deixe-me explicar como aconteceu. Eu entrei em contato com nosso entrevistado que é uma pessoa tido como um exemplo dentro da UFS por ter sido um dos primeiros alunos a sair da graduação e trabalhar na área conseguindo se estabelecer profissionalmente. E obviamente ele topou fazer essa entrevista. Caso contrário você não estaria lendo. Enfim...


A entrevista funcionou da seguinte maneira. Eu enviei a ele algumas perguntas referente a curiosidades, rumores, expectativas de algumas pessoas (devo confessar que eu também!) que estão na graduação, ou que creio, seriam interessantes a pessoas que estão querendo informação sobre a profissão, principalmente no que se refere a mercado de trabalho. Deixarei que ele mesmo faça as honras de se apresentar e “dialogar” com vocês. Abaixo segue a entrevista na integra:

 Você poderia se identificar, dizer de onde você é, onde estudou e seu passado?
Resp:
Olá pessoal, meu nome é Adriano Santos, sou bacharel em Arqueologia e atualmente estou trabalhando para uma grande empresa de consultorias arqueológicas. Nasci em Santos – SP em 1988 e aos 10 anos de idade migrei para Sergipe, morando na cidade de Umbaúba, onde eu finalizei os ensinos fundamental e médio. Em 2008 fui aprovado no vestibular para o curso de Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe – UFS, depois da aprovação mudei para Aracaju e lá residi por 4 anos. Ao final do ano de 2011 conclui minha graduação, tendo apresentado a monografia intitulada "A Arqueologia como Instrumento Social para Reconstrução de Memórias: Possibilidades de Estudos no Estado de Sergipe", onde eu faço abordagens sobre as possibilidades de estudar as ações da repressão militar em solo sergipano, utilizando como ferramenta para tais estudos a Arqueologia da Repressão. Desde o inicio de 2012 venho atuando como arqueólogo em um projeto de grande porte no estado de Pernambuco.

Adriano Santos


Por que você escolheu seguir a profissão de arqueólogo?
Resp:
Alguns colegas, contemporâneos ao meu ingresso no curso de Arqueologia, recriminavam e achavam isso uma heresia, mas a verdade é que alguns, assim como eu, ingressaram na Arqueologia por ser o caminho mais fácil para se entrar em uma Universidade publica. Há tempos atrás a Federal de Sergipe contava com um esquema chamado "Processo Seletivo Seriado", onde no final de cada ano, o aluno respondia a prova referente ao seu ano letivo, ao final do 3º ano, o aluno escolhia o curso pretendido, respondia a prova referente ao 3º ano do ensino médio + a redação. Pelo "Seriado", a cada prova efetuada, a pontuação ficava acumulada, no último ano o aluno podia fazer uma simulação e ver quais cursos ele estaria apto a ingressar. No meu caso, a somatória dos dois primeiros anos estava por volta dos 6.000 pontos, se eu mantivesse o mesmo nível das provas anteriores, eu estaria apto a ingressar em cursos como: Engenharia de Pesca, Matemática, Física, Museologia e é claro, Arqueologia, e como eu já me interessava muito por história, optei pela Arqueologia e fui muito feliz nessa escolha. Somente depois de um tempo no curso, convivendo com pessoas, professores e experiências, fui tomando gosto pela profissão. Tive a felicidade de ser chamado para um estágio no inicio do ano de 2010, onde fui um dos pioneiros entre os alunos a sair dos muros da Universidade e atuar na área como profissional em um estágio remunerado. E hoje digo com sinceridade não me vejo atuando em outra coisa a não ser na Arqueologia.

Você pode nos dizer um pouco sobre sua experiência profissional?
Resp:
Bem, o arqueólogo deve ter um equilíbrio entre teoria e prática em seu campo de atuação, não que ele vá dominar todo e qualquer assunto correspondente a Arqueologia, mas pelo menos o profissional deve ter noções gerais dos contextos que ele pode vir a trabalhar e dos materiais que podem ser manipulados durante os trabalhos, esse é um dos objetivos da graduação, mostrar aos alunos os diferentes ambientes e materiais encontrados na Arqueologia. Um arqueólogo graduado sai da instituição de ensino apto a trabalhar em qualquer contexto, mas é claro que durante o processo de iniciação, existem áreas que o pesquisador se interessa mais e outras que o pesquisador se interessa menos, no meu caso especifico, durante o curso, eu tive contato com diversos materiais e contextos, tanto históricos como pré-coloniais, porém meu interesse foi maior pela área da Arqueologia Histórica, tanto é que desenvolvi minha monografia no campo da Arqueologia da Repressão.
Ao ingressar no mercado profissional, fui honesto em expor ao meu contratante as minhas dificuldades em relação a algumas áreas práticas da Arqueologia, por exemplo, quem vem da Arqueologia sabe que nem sempre encontramos peças perfeitas de lítico (artefato feito em pedra), com marcações precisas e bem definidas como a maioria das peças que estudamos na faculdade, em campo temos que ter um olho treinado para identificar peças líticas em meio a milhares de outras rochas comuns. Mesmo ciente das minhas limitações, o contratante apostou e efetivou a minha contratação (e sou muito grato a eles por esta oportunidade). Chegando em campo, ao encontrar com os arqueólogos locais, também expus as minhas dificuldades e os mesmos falaram para que eu não me preocupasse, que isso era normal (até porque eu havia acabado de sair da faculdade) e que com o tempo eu iria pegando a habilidade necessária para executar os trabalhos, e com muita calma e paciência eles foram explicando e me ensinado aquilo que eu tinha mais dificuldade. Acredito que hoje eu ainda não domine todo o conhecimento prático da Arqueologia, mas aprendi muitas coisas em campo, coisas que só são aprendidas com vivencias, no dia a dia de um trabalho arqueológico, coisas que uma graduação, por mais completa que seja, não tem a oportunidade de mostrar.

Muita gente se pergunta do que vive o arqueólogo, ou melhor, como ele se sustenta? Você poderia explicar isso aos leitores.
Resp:
A Arqueologia sempre esteve envolvida no mito de ser uma profissão cheia de aventuras, com caça a tesouros e resgate de mocinhas em perigo (visão cinematográfica), embora nos últimos anos, esse e outros mitos tenham sido derrubados, a Arqueologia ainda é vista por muitos como uma profissão exótica. – Gente, a Arqueologia é uma profissão como qualquer uma outra, o arqueólogo é tão profissional quanto um analista de sistemas, um engenheiro civil, um advogado ou um médico. O mito talvez venha por conta do que fazemos, já que estudamos as sociedades através de sua cultura material. Acredito que os arqueólogos dessa nova geração precisam "popularizar" mais a Arqueologia e os trabalhos que vem sendo feitos, para que esse mito deixe de existir. O Brasil hoje vive um processo de intenso aquecimento e expansão da profissão, grande parte devido ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, implantado no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem por objetivo a realização de obras de infraestrutura por todo o país, a construção de portos, ferrovias, rodovias, hidroelétricas, etc., gera grandes impactos ambientais, necessitando assim de trabalhos de Arqueologia. Quando ingressei na graduação, fui muito questionado quanto a faixas salariais, e a quanto ganharia um arqueólogo, hoje eu sei que em média um arqueólogo em inicio de carreira pode receber de 4 a 5 salários-mínimos em média. A parte não muito boa é que dificilmente a pessoa consegue se formar e continuar trabalhando em seu lugar de origem. A Arqueologia é uma profissão que as vezes requer que você vá até ela e não ela que vem até você, assim o arqueólogo vira um pouco "nômade", sempre viajando. Em contrapartida a pessoa ganha inúmeras experiências de vida, conhece pessoas e lugares incríveis.


Você acha que há algum tipo de rixa entre pessoas que se tornaram arqueólogos através da graduação e aqueles que se tornaram através da pós-graduação?
Resp:
Não...Acredito que não, pelo menos não que eu tenha percebido até o momento. Até porque um pós-graduado em Arqueologia já vem com uma área especifica de atuação, ou seja ele domina muito bem um determinado assunto, já um graduado, apesar de estar apto a trabalhar em vários contextos, ele domina tudo e ao mesmo tempo ele não domina nada, pois ele tem noções básicas e não tão especificas dos assuntos, como se fosse um clínico geral.

Isso acontece com todos? Com a maioria ou uma minoria que tem muita voz e/ou incomoda muito?
Resp:
Acredito que hoje os graduados em Arqueologia estão na vanguarda da profissão, em termos que quantidade, nos últimos 5 ou 6 anos, o número de profissionais que ingressaram no mercado de trabalho, se já não superado, estamos próximos de superar o número de arqueólogos que atuavam no Brasil entre as décadas de 1980/1990, e atualmente quem se forma só fica parado se quiser, dos amigos que se formaram comigo, todos estão em campo trabalhando, os que não estão trabalhando foi por que ingressaram em programas de pós-graduação ou realmente não quiseram seguir carreira. Em minha opinião, creio que daqui a alguns anos a Arqueologia vai passar por um processo de desaceleração, o ritmo das obras de infraestrutura no pais pode diminuir, e com a grande quantidade de arqueólogos atuando, uma simples graduação pode se tornar obsoleta, e será de suma importância que o profissional tenha uma qualificação maior (pós-graduação) em Arqueologia, isso se ele almeja grandes planos profissionais.


Com aqueles que acontecem (se é que acontece) tal rixa o que faz você pensar que faz isso acontecer?
Resp:
Eu não diria bem "rixa", eu diria que a Arqueologia, assim como várias outras áreas, está passando por um processo de renovação, sobretudo de profissionais e de ideologias, e nesse caso é comum gerar um certo desconforto por parte de alguns profissionais de uma ala mais conservadora. A Arqueologia brasileira saiu da esfera onde obrigatoriamente se deveria ter o objeto empírico para se fazer um estudo, e seguiu para uma tendência onde você pode sim fazer um trabalho de Arqueologia sem que necessariamente você esteja com o objeto físico em mãos. Essa nova linha de pensamento possibilitou os mais variados trabalhos e segmentos teóricos, pois a partir de então o estudo arqueológico não fica tão restrito apenas a um tempo remoto, longe do nosso tempo. A Arqueologia está em nosso dia a dia, naquela casa de 20 ou 30 anos a qual passamos pela frente todos os dias, nas memórias dos nossos pais, tios e avós.


Você já sofreu algum tipo de discriminação por vir da graduação? Se sim você poderia nos contar como foi?

Resp:
Discriminação por vim da graduação não, de forma alguma, acho até que ao contrário. Quando falo que sou graduado em Arqueologia, muitos olham surpresos, por associar a profissão a algo exótico. É fácil perceber que as pessoas se surpreendem por achar que a Arqueologia é algo tão distante do convencional, muitos me perguntam até se isso existe por aqui. Mas claro que ainda temos que conviver com algumas piadinhas como por exemplo: caçador de dinossauros, Indiana Jones do nordeste, caçador de tesouros, essas coisas, mas nada que venha a interferir negativamente na imagem pessoal, os comentários, em sua grande maioria, não passam apenas de brincadeiras entre amigos.


Houve alguma mudança neste e outros cenários desde que você começou a trabalhar como arqueólogo? Se sim o quê?

Resp:
Sim...Nossa, eu diria uma mudança significativa, a julgar até pelo próprio histórico das graduações em Arqueologia no Brasil, onde entre as décadas de 1980/1990 tínhamos o curso da Estácio de Sá no RJ, que entrou em extinção em 1996 (se eu não me engano), depois disso o Brasil passou vários anos sem ter cursos de graduação em Arqueologia e já em meados da década de 2000 num curto espaço de tempo (2004/2008) surgiram 9 cursos de graduação. Atualmente já são 11 cursos de Arqueologia espalhados pelos quatro cantos do país, 1 curso que acabou de ser criado no Rio de Janeiro e mais 1 curso previsto para 2015 em São Paulo, totalizando 13 cursos de graduação em Arqueologia no Brasil. Desde quando ingressei no universo da Arqueologia (2008) até os dias atuais eu senti uma enorme diferença: as informações sobre o que é a Arqueologia, onde trabalha o arqueólogo e quanto ganha não tinham muito destaque, e as fontes não eram lá muito confiáveis, hoje estas mesmas informações se apresentam de uma forma mais concisa e tem uma veracidade maior, a mídia (embora distorcendo o real sentido do trabalho algumas vezes) tem dado mais espaço para que seja veiculados os trabalhos arqueológicos em diferentes partes e contextos do Brasil, a internet está sendo uma ferramenta fundamental para que a Arqueologia chegue ao grande público, muito já foi feito, mas como eu disse anteriormente, é preciso mais, temos que "popularizar" a Arqueologia, para que num futuro não muito distante ela possa ser vista como uma profissão como qualquer outra, sem mitos e fazendo parte do cotidiano das pessoas.

Você tem alguma mensagem para quem quer seguir essa carreira?
Resp:
A Arqueologia é uma área que lida diretamente com as pessoas, sendo elas contemporâneas ao nosso tempo ou sociedades de tempos atrás, nela temos a oportunidade de buscar e contar as histórias, não só dos grandes senhores e detentores do poder, mas daquelas pessoas simples, pessoas comuns, que ajudaram a erguer aquela igreja histórica do sec. XIX que você visita nas suas férias ou aquele casarão antigo que é o ponto turístico de sua cidade, estas pessoas, que por serem "insignificantes" aos olhos dos que tinham o poder, acabaram ficando as margens das narrativas tidas como "oficiais". Se você é uma pessoa que se interessa por esse tipo de história, que tem curiosidade sobre o estudo do modo de vida das sociedades, vale a pena investir no campo da Arqueologia.
Assim como toda área de atuação tem as suas dificuldades, na Arqueologia não é diferente, o trabalho não é fácil, e as condições de trabalho são adversas – tem momentos que você pode trabalhar na frente de um computador, sob ar-condicionado em temperatura controlada, com água e cafezinho a vontade, já em outras ocasiões o Arqueólogo passa dias em campo, sob sol forte, com poeira até o espírito. Mas acredito que todo o sacrifício é válido quando se tem um objetivo, quando se tem um foco, e convenhamos que a faixa salarial de um recém-formado também é um bom incentivo.


Algo a mais que queira dizer ou se expressar?
Resp:
Gostaria de agradecer a equipe PARA ARKEOLOGOS pelo convite e espaço cedido, acredito ser muito importante a divulgação da Arqueologia como uma profissão comum, e os arqueólogos como profissionais sérios e dedicados ao que fazem. Quero dizer que as opiniões aqui emitidas, são de minha inteira responsabilidade, alguns podem concordar e outros podem discordar, esse é um princípio das ciências humanas.
Para os arqueólogos dessa nova geração e para os que pretendem ingressar na área, é importante frisar que o pesquisador deve ter responsabilidade e humildade, reconhecer seus pontos fortes e fracos, não é vergonha dizer que não sabe fazer ou que não está preparado para fazer, vergonha é assumir um compromisso e por incompetência não ser capaz de realizar ou realizar algo desprezível. Muitos colocam a Arqueologia como uma profissão sem a devida valorização, realmente em alguns casos a Arqueologia não é devidamente valorizada, mas se nós, enquanto arqueólogos, queremos que essa situação mude, nós mesmos temos que valorizar a nossa profissão – não há profissão de respeito se a mesma não se dá o respeito.
Agradeço mais uma vez ao espaço cedido...Muito obrigado e até breve moçada!!!!

Fim da entrevista


Adriano primeiramente parabéns por tudo que você conquistou. E nós do Para Arkeólogos é que agradecemos você sair de sua rotina e nos ajudar com o nosso trabalho. Saiba que o espaço aqui está aberto a qualquer hora caso queira se expressar de qualquer forma.


Galera espero que vocês tenham gostado por que para mim ficou com a sensação de Missão Cumprida!
Saudações Equipe Para Arkeólogos

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